A história da música pop tem alguns anos realmente míticos, aquele em que tudo parece ter acontecido ao mesmo tempo. 1965 foi assim. Há 60 anos, podemos dizer que a música jovem deu os passos decisivos que garantiram a sua perpetuação pelas décadas seguintes.
Ouça 12 canções lançadas há 60 anos que se tornaram inacreditavelmente influentes e entenda por que há quem defenda que 1965 foi o ano mais revolucionário da história da música.
Se pudéssemos resumir toda a história do rock em uma única canção, a escolhida poderia muito bem ser "Satisfaction", que começou a ganhar vida depois que o riff da faixa veio ao guitarrista Keith Richards enquanto ele estava dormindo. Felizmente, ele tinha um gravador próximo à cama e murmurou a frase musical antes de voltar a dormir. Uma história parecida também aconteceu com a próxima canção da lista.
1965 foi um ano de muita atividade para os Beatles. Foram dois álbuns ("Help!" e "Rubber Soul" - este marcando uma virada de chave na musicalidade da banda), um compacto totalmente inédito ("Day Tripper") e mais dois lados B exclusivos. Isso além do filme "Help!" e muitos shows.
"Yesterday", que Paul McCartney sempre lembra que surgiu para ele durante um sonho, foi incluída no lado B do álbum "Help!" e se tornou a música mais regravada da história. A princípio, Paul não gostou da ideia de gravá-la com um quarteto de cordas e sem a presença de seus colegas de banda. Felizmente, o produtor George Martin convenceu-o de que o arranjo seria de bom gosto e mostraria que o grupo tinha mais a oferecer além do rock and roll.
O The Who chegou causando logo de cara. O quarteto fazia um som pesado, cheio de influências do rhythm and blues americano aliados à sensibilidade pop e inclinações artísticas do guitarrista e compositor Pete Towshend - uma mistura e tanto.
"My Generation" foi o terceiro single do quarteto e aquele que os colocou de vez na história, com seu riff simples e uma letra raivosa, e certamente etarista se analisada pelo ponto de vista contemporâneo, marcada pelo clássico verso: "Espero morrer antes de envelhecer". Nos shows, a música culminava com Pete e o baterista Keith Moon destruindo seus equipamentos, amplificando ainda mais o clima de perigo que a música da banda - que iria se sofisticar muito nos anos seguintes - exalava.
A outra grande banda do rock inglês também trabalhou bastante em 1965 - foram dois álbuns e sete compactos, sendo cinco com material exclusivo. "Till The End..." com riff e melodia incrivelmente fortes, foi incluída em "The Kink Kontroversy", o terceiro e melhor LP deles até então. A música chegou ao oitavo lugar no Reino Unido e, mesmo sem ter causado um grande impacto inicial nos EUA, logo se tornou um clássico do rock.
Após a saída de Eric Clapton e a entrada de Jeff Beck, os Yardbirds entraram em sua fase mais gloriosa. "Heart Full Of Soul" marca a primeira aparição de influências da música indiana no pop/rock - "Norwegian Wood (This Bird Has Flown)", dos Beatles, saiu sete meses mais tarde - e é um dos primeiros exemplos do que logo seria batizado de rock psicodélico.
Não foi só na Inglaterra que as coisas esquentaram em 1965. Nos EUA, muita coisa aconteceu também, a começar pelos garotos da praia que entraram em sua fase mais revolucionária no momento em que Brian Wilson, líder da banda, abandonou as turnês e passou a se dedicar apenas ao trabalho em estúdio.
Mesmo com algumas faixas do tipo encheção de linguiça, os álbuns "Today" e "Summer Days (And Summer Nights!!)" mostravam claramente uma evolução em todos os aspectos. "California Girls", com sua introdução cinematográfica, é o ápice deste momento. O compacto ficou no terceiro lugar nos EUA e, não demoraria muito, para que a canção se tornasse quase que sinônimo do grupo - 60 anos depois, ela ainda é a música que abre os shows da banda.
Em 1965, Dylan deixou de vez as canções de protesto e também se eletrificou. Após quatro discos no esquema voz, violão, e gaita, em abril ele lançou "Bringing It All Back Home", disco com o lado A elétrico e o B acústico, ambos brilhantes.
Inacreditavelmente, apenas quatro meses depois, ele lançaria outro disco considerado perfeito: "Highway 61 Revisited", que abria com "Like A Rolling Stone" e para a qual podemos aplicar o clichê "depois disso a música nunca mais foi a mesma" - difícil achar outra canção que simbolize o momento em que ficou escancarado que o rock tinha mais a oferecer do que mero entretenimento juvenil.
Apesar dos mais de seis minutos e da letra quilométrica e raivosa, a faixa foi lançada em single, ficando em primeiro lugar, ou segundo, dependendo do ranking, nos EUA e no topo da parada britânica.
A black music também passou por um período extremamente fértil naquele ano. O "Soul Brother Number 1" lançou dois compactos que se tornaram monumentos do funk e soul: "Papa's Got A Brand New Bag" e "I Got You (I Feel Good)", provavelmente a primeira música que vem à cabeça da maioria das pessoas ao se pensar em James Brown ou mesmo soul music.
As duas ainda são exemplos perfeitos de que canções acessíveis, e simples apenas na aparência, também podem ser revolucionárias - notem como o ritmo é a coisa mais importante nesses compactos, mais do que letra, melodia, solos ou até a própria voz.
Com outra proposta, a gravadora Motown de Detroit conseguiu o milagre de vender artistas negros para o público branco. Em 1965, a gravadora teve cinco números 1 nos EUA, sendo três deles das Supremes.
O girl group liderado por Diana Ross, ancorado pelas composições do trio Holland–Dozier–Holland tinha se tornado uma fábrica de hits. "Stop!" foi o quarto de uma série de cinco números 1 nos EUA e também ajudou a espalhar ainda mais a música da gravadora para o resto do mundo.
Se a Motown lançava discos vistos como "amaciados" para uma audiência mais ampla, a Stax era mais roots, entregando o verdadeiro R&B para o público. A maior estrela da gravadora era Otis Redding, uma das maiores vozes da história de toda a música popular.
Em 1965, ele lançou seu álbum definitivo: "Otis Blue", daqueles que podemos chamar sem medo de obrigatório. O artista sabia defender nas canções dançantes, mas nas baladas ele era insuperável. "I've Been Loving You Too Long" se tornou um standard, especialmente depois que as imagens dele a cantando no festival de Monterey, no vídeo abaixo, ganharam o mundo com o documentário do evento.
A morte dele em um acidente de avião em 1967, com apenas 26 anos e em plena ascensão, é uma das maiores tragédias da música do século 20. Basta lembrar que "(Sittin' On) The Dock Of The Bay", seu único número 1, saiu depois de sua morte.
Curtis Mayfield foi um dos grandes nomes da música do século 20, seja liderando o trio The Impressions, e, posteriormente, com a sua carreira solo nos anos 70. Exemplo do músico empreendedor, em 1968 ele abriria sua própria gravadora, mas antes de chegar lá, ele trabalhou para outras companhias e conheceu o sucesso.
"People Get Ready" talvez seja a melhor canção inspiradora já escrita, com sua mensagem de fácil entendimento e podendo ser aplicada em várias ocasiões - Martin Luther King disse que ela era o hino não oficial da luta pelos direitos civis. A canção também é conhecida pela cover feita por Jeff Beck e Rod Stewart em 1985.
Mayfield sofreu um sério acidente durante um show em 1990, quando o equipamento de luz do palco caiu em cima dele, deixando-o paralisado do pescoço para baixo. Ele morreu em 1999, três anos depois de ter gravado seu último disco.
Para encerrar, um clássico brasileiro. O biógrafo Paulo César de Araújo, em sua biografia proibida "Roberto Carlos Em Detalhes", acredita que se "Quero Que Vá Tudo Pro Inferno" tivesse sido composta por um grupo inglês ou americano, teria explodido mundialmente. "Ela é tão rock 'n' roll quanto 'Help!' ou 'Satisfaction'", ele escreveu.
E dá para discordar? Roberto Carlos pode até ter problemas em cantá-la nos dias de hoje, mas a música é daquelas que não perde a sua força. Não à toa, ela é daqueles raros tipos de canção que muita gente ainda se lembra de quando a ouviu pela primeira vez e o impacto por ela causado.
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