O Primavera Sound, um dos festivais mais conceituados da Europa, e um dos favoritos pelos brasileiros, finalmente chegou ao Brasil. Claro que em comparação com o que se vê em Barcelona, com seus dez palcos e shows indo até o amanhecer, esse foi quase um "Primavera Júnior" - de qualquer forma, é humanamente impossível se assistir a mais que determinado número de shows - mas ele cumpriu bem a sua missão.

A escalação foi perfeita? Claro que não, especialmente para quem busca ver artistas com mais tempo de estrada e grandes lendas da música, mas quem foi no Anhembi neste sábado e domingo (5 e 6) certamente se divertiu com artistas de quem era fã e se descobriu admirador de outros - outra função desse tipo de evento que os festivais daqui parecem ignorar mais e mais.

É certo que alguns ajustes terão que ser feitos nas próximas edições - quem não tinha carro, nem estava querendo gastar uma fortuna em táxi ou Uber, acabou saindo mais cedo para aproveitar o metrô aberto, e o palco Beck's certamente precisará ser repensado já que a presença de algumas árvores no local prejudicaram a visibilidade de milhares de pessoas.

O Vagalume esteve no festival e destaca cinco shows que fizeram valer o ingresso do público.

Lorde
Lorde


A artista que mais "uniu as tribos" do festival entregou um show que entra fácil para a lista dos melhores de 2022. Nitidamente animada, e em uma vibe bem diferente daquela que se viu por aqui em 2018, a neozelandesa trouxe seu show "geométrico" de grande plasticidade ao Primavera.

Apesar de focado no não muito bem recebido "Solar Power", cujas músicas, aliás, crescem muito no palco, o concerto tem espaço generoso para as canções de "Pure Heroine" e "Melodrama" e essas já podem ser consideradas clássicas do pop moderno, em especial "Green Light", provavelmente o grande momento do espetáculo, e "Royals", caso raro de primeiro hit que se mantém atual e relevante.

Lorde estava em modo reflexivo, e não por qualquer motivo. Hoje, dia 7, ela está completando 26 anos, e incríveis nove anos de carreira discográfica. Ela aproveitou para lembrar da primeira vez que esteve no país, em 2014, no Lollapalooza, e de como se surpreendeu ao ver aquela multidão cantando as suas músicas e lhe dando a prova definitiva de que ela e sua arte eram compreendidas por pessoas com uma vivência totalmente distinta da dela.



Björk
Björk


Um show para voz e orquestra talvez não seja a receita ideal para um evento deste porte, mas quando a responsável pela ideia aparentemente insana é a islandesa Björk, só nos resta aguardar e ver o que ela preparou.

Uma das artistas mais inovadoras da música pop em todos os tempos, a cantora subiu ao palco durante o pôr do sol e pôde contar com um público grande, atencioso e que, principalmente, demonstrou respeito mantendo-se em silêncio, absolutamente necessário, e até tentando respeitar o pedido dela para que não filmassem ou tirassem fotos do show.

O repertório cobriu várias fases de sua carreira pós-Sugarcubes - de "Come To Me", de 1993, até a recente "Ovule", que teve sua "estreia mundial" ali.



Arctic Monkeys
Arctic Monkeys


Quem já viu um show dos ingleses, especialmente nos últimos anos, já sabe o que esperar: uma certa frieza da banda, um Alex Turner cada vez mais dândi e um setlist que precisa equilibrar as canções mais recentes, bem mais cool e intimistas, com os hits mais agitados do passado.

Isso significa um show que alterna momentos de grande energia, tanto no palco quanto na plateia, com outros de mais calmaria. O ideal mesmo seria ter a chance de vê-los em um lugar menor, mas, infelizmente, isso não é mais possível. Só nos resta então tentar aproveitar os ingleses do jeito que dá, seja com umas árvores atrapalhando a visão ou a, literalmente, quilômetros de distância.



Mitski
Mitski


O indie feminino foi bem representado no Primavera, com três artistas que estão entre as favoritas de quem busca novidades musicais e que fazem muito sucesso com os críticos. O Japanese Breakfast, de Michelle Zauner, nascida em Seul, mas criada nos EUA, cativou o público com sua simpatia, boas canções e comunicabilidade. Phoebe Bridgers foi mais intensa, em um repertório focado em canções mais lentas, e Mitski, que escolhemos destacar aqui, certamente deixou o palco surpreendida com quantidade de fãs dedicados que tinha por aqui.

Com um set longo, 17 músicas, e uma forte presença cênica, quase teatral, a cantora de 30 anos certamente já está querendo voltar ao Brasil em um futuro próximo, até por ter certeza de que há muita gente querendo ouvir as suas boas canções por aqui. Que este retorno não demore.



Father John Misty
Father John Misty


O horário não era dos melhores, 23h30 de um domingo, no palco que Lorde havia acaba de causar um estrago e com Charli XCX se preparando para cantar na outra ponta do Anhembi. Mas o relativamente diminuto público, que aumentou bastante no decorrer do espetáculo, foi brindado com um espetáculo impecável de um artista único.

Josh Tillman é um compositor de mão cheia e, com 41 anos, preocupado com questões mais maduras. Um exemplo? Enquanto Lorde falava sobre "crushes" e estimula seu público a "partir pros finalmentes" no caso deles estarem ali, Josh canta uma (linda) canção sobre o medo de ficar viúvo ("Please Don't Die").

O músico também foi esperto em deixar um pouco de lado seu trabalho mais recente, que ele descreveu como de "fake jazz", e focar nas canções de seus discos anteriores, em especial as de "I Love You, Honeybear", de 2015.

Acompanhado de uma grande banda de apoio, que inclui um naipe de metais, Josh abusa dos gesto exagerados, caindo de joelhos nos momentos mais intensos e atiçando a libido da plateia - os gritos de "gostoso" pipocaram entre uma e outra canção. Em uma palavra? Inesquecível.

Father John Misty fará um segundo show em São Paulo amanhã (8), no mais do que intimista Cine Joia. É bem provável que quem o viu ontem irá retornar para uma segunda dose.