Provavelmente não existe ano mais mítico na história do rock brasileiro do que 1986. Naqueles 12 meses, praticamente todas as principais bandas e artistas daquela cena estouraram ou atingiram picos de sucesso. Com um mercado aquecido pelo Plano Cruzado, que congelou os preços gerou uma onda de euforia econômica após anos de inflação alta, que não durou muito, vale lembrar, e um público ávido por rock, especialmente depois do Rock In Rio de 1985, criou-se a chamada onda perfeita.

As bandas também corresponderam: "Cabeça Dinossauro", "Dois", "Selvagem?" e "Vivendo e Não Prendendo" são apenas alguns dos LPs lançados em 1986 que renderam turnês antológicas.

Neste #TBT, selecionamos alguns concertos acontecidos em 1986, ou início de 1987, já que muitas turnês se estenderam pelo ano seguinte, que mostram um pouco do clima daquele momento, mesmo com a qualidade longe do ideal da maioria dos registros.

Ira!

Os paulistanos nunca foram uma banda mega popular, mas, em 1986, eles conseguiram atingir o seu maior nível de sucesso com o álbum "Vivendo e Não Aprendendo", o segundo deles e o mais vendido entre os trabalhos de estúdio do quarteto. O disco tinha "Envelheço na Cidade", "Dias de Luta", "Flores em Você" (que entraria em abertura da novela das oito no ano seguinte) e as versões definitivas de "Gritos Na Multidão" e "Pobre Paulista"



Titãs

O então octeto encontrou sua identidade musical com "Cabeça Dinossauro", presença obrigatória em qualquer lista de grandes discos já feitos no Brasil. Ainda que seja lembrado por seus momentos mais pesados, especialmente "Polícia" e "Bichos Escrotos", o trabalho era bem mais variado musicalmente, com pop, funk, reggae e hardcore também entrando na mistura do grupo. Ao vivo, eles também surpreenderam com um show elaborado e de grande força musical e visual.



Legião Urbana

Depois de um primeiro disco elogiadíssimo, marcado por sonoridades mais pós-punk, os brasilienses ampliaram seus horizontes musicais em "Dois", com a entrada de canções de pegada mais acústica e influências de bandas mais novas, como dos Smiths, sendo nitidamente percebidas. Podemos dizer que foi nesse momento que a "Religião Urbana" começou a surgir, com os shows se tornando mais intensos e um clima de fervor tomando conta do público.

Dito isso, é curioso ver Renato Russo passando boa parte de um show atrás do teclado, no qual o público ainda não cantava todas as músicas em um volume muitas vezes mais alto que o da banda.



Os Paralamas do Sucesso

De todas as bandas daquela geração que tocaram no Rock in Rio, foram Herbert, Bi e Barone, que colheram os maiores frutos. Eles tocaram pelo país inteiro no restante de 1985 e puderam conhecer o tal "Brasil profundo", que muito lhes impressionou.

Assim, em seu terceiro disco, o grupo mirou seu olhar para o nosso país e a Jamaica, ao invés de Londres e Nova Iorque. "Selvagem?" pode ter causado estranhamento quando saiu, mas conquistou o público - e também os críticos - com "Alagados", "A Novidade", "Melô do Marinheiro" e a versão para "Você", de Tim Maia.



Camisa de Vênus

A banda baiana entrou em 1986 com a popularidade em alta, graças ao sucesso de "Eu Não Matei Joana D'arc" do ano anterior. Isso levou o quinteto, que gravava pela modesta RGE, a ser procurada pela poderosa Warner. Assim, o grupo lançou não um, mas dois álbuns naqueles meses. "Viva!" saiu primeiro, para encerrar o contrato, e é um forte candidato a melhor disco ao vivo do rock brasileiro. "Correndo O Risco", com "Só o Fim" e "Simca Chambord", saiu pouco depois e foi o maior sucesso comercial deles, que encerrariam a carreira pouco depois.

Eles também faziam shows de enorme energia e intensidade, especialmente em cidades como São Paulo, Santos (onde o trabalho ao vivo foi registrado) e Porto Alegre, onde a apresentação abaixo foi registrada.



RPM

Esse #TBT só poderia ser encerrado com o grande sucesso de 1986: o RPM. O quarteto lançou sua estreia, "Revoluções Por Minuto", em 1985 e caiu na estrada com um show superproduzido e com direção de Ney Matogrosso. Com poucas músicas para formar o repertório, Paulo Ricardo e cia. colocaram algumas covers no setlist. O que eles não esperavam é que versões gravadas de show de "London, London" começariam a ser tocadas, com muito sucesso, em rádios de todo o país, criando assim um impasse.

Naquele momento, as gravadoras haviam parado de fabricar compactos, e um álbum ao vivo acabou se mostrando a única solução possível, mesmo que fosse um disco ao vivo com cinco, de um total de nove, músicas já conhecidas.

"Rádio Pirata Ao Vivo" acabou sendo o exemplo típico da chamada "bênção e maldição". O álbum vendeu mais de dois milhões de cópias, marca então inimaginável para uma banda de rock brasileira, e fez de Paulo Ricardo um símbolo sexual que ajudou a vender pôsteres, álbum de figurinhas e outros produtos.

O revés logo chegou. O grupo caiu nos excessos da vida de astros do rock e sofre de superexposição. Quando retornaram, em 1988, encontraram um cenário bem diferente, com o rock já perdendo terreno, a inflação de volta e um público bem menos interessado neles. Naquele mesmo ano eles decidiram colocar um fim na banda.

Foi um final melancólico, que não apaga aqueles meses de 1986 quando eles puderam experimentar um pouco do que foi a beatlemania. O show abaixo foi gravado profissionalmente e lançado em VHS - caso único entre as bandas daquela geração. Ele traz o último show da turnê, feito em dezembro daquele ano, no Ginásio do Ibirapuera.