Se embrenhar na obra de Prince não é tarefa fácil. Afinal o músico que morreu no último dia 21, deixou simplesmente 39 álbuns de estúdio para a posteridade, muitos deles duplos, ou até triplos. Ou seja, é muita música para ser ouvida e nos mais diversos estilos.

O fato é que Prince pode não ter sido o melhor artista da história, mas é certamente o mais completo. Quem mais sabia compor, produzir, cantar nos mais diversos registros e ainda tocar dezenas de instrumentos de forma proficiente? Ou seja, no caso dele o termo "gênio" de fato é justificável.

Além disso tudo ele era um dos melhores performers que se podia querer em cima do palco, capaz de dançar como James Brown ou Michael Jackson e tirar solos em sua guitarra dignos de Jimi Hendrix. É por isso que sua morte deixa uma lacuna irreparável na cena musical.

Prince
Para o fã casual, a maior dificuldade em se entrar em contato com o universo do cantor estava exatamente na enorme quantidade de lançamentos.

É claro que ele tinha um bom número de hits e três ou quatro álbuns que sempre pipocam nas listas de "grandes discos da história". mas uma visão completa sempre foi difícil, ainda mais pelo fato dele ter lançado vários trabalhos de distribuição limitada ou que passaram batidos mesmo.

Para complicar ainda mais, Prince também não gostava de ver sua música sendo distribuída sem o seu consenso. O que significava a total ausência de seus clipes, músicas ou performances do YouTube e de seus álbuns em quase todos serviços de streaming musical.

Ao menos com relação ao YouTube aparentemente uma trégua foi tomada pelos advogados do músico. Desde quinta feita vários clipes, trechos de shows e até a íntegra de álbuns voltaram ao ar.

Nesse texto listamos 10 discos para se conhecer melhor o artista, que deixa uma obra rica e que vai muito além dos hits que ele emplacou no meio dos anos 80.




Prince - 1979
Prince
Prince Prince
Prince conseguiu a incrível proeza de assinar um contrato que lhe dava total autonomia com apenas 18 anos de idade. Dessa forma, o prodígio ganhava o direito de produzir, compor e tocar praticamente tudo sozinho em seus álbuns, e ainda reter o controle das gravações.

Apesar das expectativas, o primeiro álbum, "For You" de 1978, acabou sendo uma pequena decepção, ignorado pelos críticos e não indo além da 163ª posição na parada americana.

A história só começa a mudar com o segundo trabalho, que levava apenas o nome do cantor.

"Prince" pode não ser uma obra-prima, como veríamos muito em breve, mas já mostra de forma mais clara o potencial do artista, e sua ideia de música pop livre de gêneros e amarras. Daqui saiu o primeiro hit do futuro astro - "I Wanna Be Your Lover" número 1 na parada de R&B e 11 na principal - em um disco que chegou no 22° posto do top 200 da Billboard. Apesar disso, o álbum nunca foi lançado no Brasil em nenhum formato.



Dirty Mind - 1980
Prince
Prince Dirty Mind
O primeiro disco de fato clássico de Prince traz tudo o que viria as e esperar dele no futuro de forma magistral: a fusão de gêneros (aqui temos, funk, soul, pop, rock, baladas e new wave), as letras provocativas (incesto, sexo oral), e um estilo peculiar de gravação, com as guitarras com timbres limpos e os sons graves mixados de forma discreta.

Os temas polêmicos, e a capa pra lá de provocadora, certamente influenciaram nas vendas abaixo do esperado - nenhum de seus singles tocou nas rádios e ele só chegou na 45ª posição na parada americana.

Apesar desse mau resultado inicial, "Dirty Mind" acabaria por vender cópias o bastante nos anos seguintes para ganhar um disco de ouro. Foi daqui também que saiu a ensolarada "When You Were Mine" que Cyndi Lauper gravaria com sucesso em 1984.



1999 - 1982
Prince
Prince 1999
O primeiro álbum duplo de Prince também o tornou conhecido no resto do mundo. Isso graças ao sucesso de seus clássicos singles "1999" e "Little Red Corvette".

O primeiro conta com uma das melhores e mais marcantes introduções da história do pop. Já "Corvette", foi a primeira música dele a chegar ao top 10 dos EUA. Os hits impulsionaram as vendas do álbum que hoje está na casa dos 4 milhões de unidades vendidas.

O curioso é que "1999" é no geral um disco bastante experimental.

O álbum traz Prince experimentando principalmente com o funk em canções longas deixando seu lado mais pop e imediato em segundo plano durante boa parte de suas canções.

Este foi o primeiro disco dele a sair no Brasil, só que, bizarramente, a gravadora decidiu lançá-lo como dois álbuns simples. A edição dupla em vinil só saiu aqui no início dos anos 90.



Purple Rain - 1984
Prince
Prince Purple Rain
O disco que o tornou uma mega-estrela de proporções gigantescas, "Purple Rain" é a trilha do filme homônimo que tem o cantor como astro principal vivendo nas telas uma versão romanceada de sua vida.

O álbum é um dos mais diretos e pop já feitos por ele, com todas suas nove canções tendo potencial para serem singles de sucesso - e quatro deles realmente foram.

"Purple Rain", assim como "Thriller" de Michael Jackson aposta no ecletismo como forma de ganhar os mais diversos públicos.

O disco começa bem roqueiro com "Let's Go Crazy" desembocando em um solo digno dos maiores guitar heroes da história e abre espaço para o pop perfeito de "Take Me With You" entre várias outras demonstrações de estilos diversos. O álbum ainda tem "When Doves Cry" - talvez sua grande obra-prima especialmente ao provar que é possível fazer som funky e dançante sem baixo - e a faixa-título, uma das maiores baladas da história do pop.

O álbum vendeu mais de 22 milhões de cópias ao redor do mundo e o filme faturou U$68 milhões (para um orçamento de pouco mais de U$7 milhões). Para completar, o cantor ainda ganhou o Oscar de melhor trilha de canções originais (prêmio que, diga-se, desde então nunca mais foi entregue pela Academia).

"Purple Rain" também marca a chegada da "Revolution", a banda de apoio do cantor, que, desta vez, decidiu não gravar tudo sozinho. Ele ainda tem "Darling Nikki". Foi a letra dessa canção que horrorizou a congressista Tipper Gore que deu origem a um longo processo que culminou com aquele selinho de "explicit lyrics" que até hoje vemos em diversas capas de discos.




Parade - 1986
Prince
Prince Parade
O sucesso de "Purple Rain" provou que Prince não era um músico comum. Afinal não é normal ver um artista relativamente novo se recusando a dar entrevistas - ajudando assim a criar uma aura mística sobre si e muito menos lançando um novo trabalho menos de um ano depois de um álbum que ainda está vendendo muito bem.

Mas foi exatamente o que ele fez com "Around The World In A Day" de 1985, um álbum pouco lembrado, mas que vale ser ouvido, especialmente pelos fãs de rock dos anos 60 e que também acabou servindo para acabar com os seus dias de mega-estrela

Não que ele tenha se tornado uma estrela cult, isso aconteceria mais para frente, mas ele nunca mais venderia um disco nas mesmas quantidades.

Depois de "Around The World", foi a vez dele lançar "Parade" outra trilha sonora cinematográfica. "Under The Cherry Moon", também foi dirigido pelo artista, mas se mostrou um incrível fracasso de público e crítica. O disco, pelo menos foi mais bem sucedido em ambos os campos.

"Parade" é lembrado por trazer "Kiss", exemplo clássico do minimalismo que marca tantas de suas canções, e outro single clássico. Mas ele não é só isso. O trabalho também tem músicas com arranjos expansivos - caso de "Mountains" ou "Christopher Tracy's Parade" e ao menos uma balada de arrepiar, a linda "Sometimes It Snows In April" que, obviamente, ganhou um novo significado depois da morte do astro no último dia 21 de abril.



Sign O' The Times - 1987
Prince
Prince Sign O' The Times
O segundo álbum duplo do cantor é daqueles que, ao lado de "Purple Rain", deveria estar em qualquer coleção de discos.

Voltando a gravar praticamente sozinho, Prince mais uma vez deu uma aula de seu incontestável talento ao fazer um disco pessoal, amplo, e onde o lado experimental convive em harmonia com o mais pop.

Esse é daqueles discos que devem ser ouvidos de cabo a rabo e com muita atenção. Os destaques novamente são vários.

A politizada faixa título, mostrou que o cantor também sabia falar de temas importantes - a epidemia de AIDS, as gangues de rua cada vez mais violenta e dependentes do crack - e não só de sexo. "The Ballad Of Dorothy Parker" é uma de suas baladas mais sofisticadas e misteriosas e a climática "The Cross" é prova definitiva de que é possível fazer música transcendental com apenas dois acordes dos mais simples.

A essas some a pop "I Could Never Take The Place Of Your Man", os funks pesados "Housequake" e "Hot Thing" e é fácil entender porque Prince era frequentemente chamado de melhor artista do mundo atualmente nos anos 80.



Lovesexy - 1988
Prince
Prince Lovesexy
Este álbum sofreu um pouco por ter saído logo depois de "Sign O' The Times", mas seria difícil mesmo alguém com o talento e produtividade dele superar tamanha obra-prima.

"Lovesexy" na verdade foi lançado às pressas em substituição ao "Black Album" que já estava pronto para ir para às lojas quando o cantor decidiu barrar seu lançamento.

Na verdade, a decisão se mostrou acertada, já que este disco é certamente superior àquele - que circulou por anos no mercado pirata até ser lançado oficialmente na década seguinte.

"Lovesexy" é um disco mais simples, mas seus prazeres são vários. Vide "Alphabet St.", "Anna Stesia" e "Glam Slam". Comercialmente o álbum sofreu por conta de sua capa, considerada por demais escandalosa para certas cadeias de lojas e grandes magazines. O trabalho assim estacionou no 11° posto da parada americana, seu pior resultado desde 1982.



Diamonds And Pearls - 1992
Prince
Prince Diamonds and Pearls
Os últimos 26 anos de carreira discográfica de Prince, são, na falta de palavra melhor, confusos. Em 1992 ele decide trocar seu nome por um símbolo impronunciável e, logo depois, passa a reclamar de seua gravadora, a Warner, que se mostra desesperada por não conseguir divulgar adequadamente a quantidade de música que ele quer lançar.

" O artista anteriormente conhecido como Prince" passa a apresentar com a palavra "escravo" escrita no rosto e tenta se livrar rapidamente do seu contrato para assim poder lançar o que quiser e quando bem desejar.

Mas antes disso, ele lançou aquele que periga ser seu melhor trabalho na década. "Diamonds And Pearls" saiu com uma capa em 3D (lá fora, aqui só recebemos uma versão comum) e foi gravado com sua nova banda de apoio, a potente "New Power Generation". Um de seus discos mais simples e agradáveis, ele é lembrado pela divertida "Cream" - espécie de plágio/homenagem ao som do T. Rex e "Get Off". O trabalho chegou no terceiro lugar na Billboard - posição que ele só voltaria a ocupar mais de dez anos depois.



Musicology - 2004
Prince
Prince Musicology
Uma rápida olhada em um site como o "Rocklist", que compila centenas de listas de "melhores discos", sejam do ano ou de todos os tempos, publicadas pelas principais publicações do mundo, podem dar a impressão de que Prince parou de fazer discos bons, ou que importam, em algum ponto dos anos 90.

A verdade obviamente é mais complicada. O que acontece é que em certo ponto Prince passa de fato a fazer álbuns para o seu público mais fiel, deixando de se preocupar em atingir o mainstream ou mesmo em ser o queridinho dos críticos.

Essa história deve mudar com a sua morte. Podem apostar que nesse exato, centenas de críticos musicais estão não só reouvindo seus discos favoritos do músico como correndo atrás do tempo perdido.

Dessa forma, em algum tempo, os novos fãs do cantor provavelmente terão uma série de discos reavaliados criticamente considerados fundamentais além daqueles que sempre são citados.

Nos permitindo um pouco de futurologia, um disco de Prince que tem tudo para ser resgatado de um certo limbo é "Musicology" de 2004. Não que ele tenha sido de todo ignorado, já que chegou no terceiro lugar da parada americana, vendeu cerca de dois milhões de cópias e apareceu em algumas listas de melhores daquele ano.

Mas, com esse disco Prince voltou a ser mais comunicativo, gravando canções mais diretas, influenciadas pelo soul e funk, mas também pelo hip hop e entregando mais algumas grandes baladas para o seu já bastante longo repertório.

Art Official Age - 2014
Prince
Prince Art Official Age
Nos últimos dois anos, Prince lançou nada menos que quatro álbuns. Dois de forma mais tradicional e os restantes apenas digitalmente.

Destes, "Art Official Age" é o mais recomendado, especialmente para quem gosta de seu lado mais dançante e experimental (quem curte o lado mais pop/roqueiro está melhor servido com "PLECTRUMELECTRUM".

De qualquer forma o que todos esses trabalhos, infelizmente, derradeiros mostram, é que o artista nunca perdeu a capacidade de criar e de seguir surpreendendo.

Prince partiu com apenas 57 anos, mas deixou 39 álbuns e, acredita-se, mais de 2 mil canções inéditas que estavam cuidadosamente armazenadas em um cofre em Paisley Park seu estúdio/morada, o bastante para que umas duas gerações possam ouvir um disco novo dele anualmente, caso tudo isso seja lançado. Isso faz dele um dos artistas mais prolíficos de todos os tempos.

Como já dissemos em algum ponto nesse texto, tal produtividade serviu também para atrapalhá-lo, afinal, é bem mais fácil lidar com artistas que lançam um disco a cada dois, três ou quatro anos do que com um que coloca uma série de discos duplos ou triplos no mercado anualmente.

Mas para Prince tal opção simplesmente não existia. Afinal como falar para alguém que compõe de forma compulsiva que ele só pode lançar um punhado dessas canções e de forma espaçada.

A vantagem disso é que há tantas músicas dele a serem descobertas ou redescobertas, que sua morte de certa forma torna-se menos dolorosa.