
A maior tragédia para quem se importa mais com a música do que com a vida pessoas das estrelas é ter de conviver com o fato de que Winehouse produziu tão pouco. Mesmo se compararmos com outras vítimas da "maldição dos 27 anos" o legado dela é por demais pequeno - os Doors de Jim Morrison gravaram seis discos, Janis Joplin quatro e Jimi Hendrix deixou tanto material que até hoje é possível compilar álbuns inéditos, por exemplo.
Mas apesar de ínfimo o punhado de canções que Winehouse deixou para a posteridade com certeza transformaram a música pop do novo século. Principalmente porque "Back to Black" se tornou um item cada vez mais raros nos dias de hoje, o álbum que agrada os públicos mais diversos.
Numa época em que os hábitos musicais estão cada vez mais individualizados é raro um artista ou álbum conseguir atravessar barreiras e Winehouse conseguiu isso. "Back to Black" conquistou não só o público jovem de todo o planeta (incluindo o americano, cada vez mais arredio a qualquer coisa que não seja local), mas também a crítica, a indústria (vide a enxurrada de Grammys que ela levou) e o consumidor mais velho, aquele que ainda compra CDs.
E ela conseguiu isto gravando basicamente uma atualização da soul music dos anos 60, uma música que estava praticamente esquecida. Talvez essa tenha sido a grande jogada dela (e do produtor Mark Ronson, não nos esqueçamos). Para os jovens, aquele som definitivamente soava se não novo pelo menos inédito, e os mais velhos se emocionaram ao ver que sim, existia alguém na faixa dos vinte anos que ainda se importava com Dusty Springfield, Otis Redding, Aretha Franklin e os grupos femininos dos anos 60.
E se levarmos em conta que Amy Winehouse chegou lá sem fazer o tipo "sexy", muito pelo contrário, seus feitos são ainda mais admiráveis.
A influência de "Back to Black" é facilmente vista nas paradas de hoje. Sem ela Cee Lo Green seguramente não teria chegado ao grande público e muito menos um fenômeno como Adele teria sido possível. Amy também revitalizou o mercado da soul mais tradicional. Isso pode ser visto no surgimento de mais e mais eventos dedicados à Black Music e ao aumento considerável de artistas negros veteranos nos grandes festivais, e até em um caso como o de Sharon Jones que conheceu o sucesso só aos 50 anos com sua soul music á moda antiga.
É por isso que agora é o momento ideal para nos lembrarmos não da Amy Winehouse "barraqueira", o ser humano que não conseguiu domar seus demônios mas sim da artista que por alguns momentos teve talento e foco suficiente para realmente mudar o cenário da música pop. O que, convenhamos, é tarefa para poucos.
Nesse especial o Vagalume relembra os grandes momentos da curta porém marcante carreira de Amy Winehouse. É a nossa forma de homenagear esse grande talento.
"Frank" - 2003

"Frank" apesar de ter sido feito por uma quase menina soava muito mais como um disco gravado por uma cantora já veterana.
A crítica prestou atenção e Amy chegou a ser comparada a gente como Nina Simone e outras grandes damas do jazz. o álbum também foi indicado para o venerado Mercury Prize (perdeu para a estreia do Franz Ferdinand) e tornou Amy Winehouse uma artista cult.
Tanto quanto a música o que chamou a atenção das pessoas foram as letras da artista. Onde ela não tinha o menor problema em abrir todo seu baú de intimidades, inseguranças e segredos de forma direta e sem meias palavras.
Infelizmente para os fãs de música (e para alegria dos tablóides) não demorou muito para ver que a vida particular pra lá de turbulenta da moça logo teria tanto ou mais espaço na mídia que sua arte.
"Back To Black" - 2006

Em um álbum em que os méritos devem ser divididos com o produtor Mark Ronson e aos Dap-Kings que a acompanham em diversas faixas, Amy mostrou que aqueles que apostavam nela como um dos nomes que poderiam fazer a diferença no pop do século 21 não estavam errados.
Ronson manteve o clima retrô de "Frank" - a soul music e o som dos girl groups dos anos 60 continuam sendo a fonte básica - mas deixou o som dela mais encorpado e pronto para tocar nas rádios e pistas de dança.
Winehouse por sua vez demonstrava maior maturidade e poder vocal e se abria ainda mais em suas letras cada vez mais confessionais.
Em "Rehab", um clássico instantâneo, a cantora dizia que ao contrário do que lhe pediam ela não iria para uma clínica de reabilitação (mais tarde ela mudaria o "no, no, no" para "I'll go, I'll go, I'll go - eu vou, eu vou eu vou - em performances ao vivo).
Já em "Addicted" (devidamente limada da versão americana do disco) Amy reclama do namorado da amiga que fumou toda a sua erva, e na ótima "You Know I'm No Good" ela já deixava claro que não era flor que se cheirasse.
"Back to Black" tornou Amy Winehouse em superestrela e suas músicas tornaram-se onipresentes. Rádios, MTV, baladas, desfiles de moda, pistas de dança; era difícil escapar de alguma das canções do álbum que rapidamente conseguiu juntar os mais diferentes tipo de ouvintes ao seu redor.
Ao mesmo tempo, com o sucesso do disco começam a surgir mais e mais notícias de shows irregulares ou abandonados no meio, e da escalada aparentemente incontrolável dos excessos da cantora.
Dali em diante ser fã da cantora significava temer pelo amanhã. Diariamente fotos dela usando drogas, extremamente magra e com marcas pelo corpo pipocavam pela internet e nos jornais. A música ia ficando cada vez mais em segundo plano e as tentativas de fazer com que Amy voltasse a trabalhar em estúdio sempre eram fracassadas.
Aparentemente o que seria seu terceiro disco foi rejeitado pela gravadora por ter apenas reggaes (outra grande paixão dela) e não o som que a consagrou.
Ela também ameaçou uma volta aos palcos, mas seus erráticos concertos no Brasil em janeiro de 2011 e a vexaminosa performance ocorrida na Sérvia em junho de 2010 - que forçou o cancelamento de toda uma turnê pela Europa - mostravam que o corpo de Winehouse estava bem próximo do seu limite.
Infelizmente, "Back to Black" fica como o último legado da cantora e não só como um dos marcos de uma carreira que esperava-se fosse ser longa.
Fica agora nas mãos de seus seguidores, notadamente Adele, a tarefa de levarem a cabo as propostas sonoras esboçadas por Winehouse em sua curta carreira.
Boa sorte para todos eles - os fãs só tem a agradecer mesmo que estejam dizendo que "não precisava ter sido assim".