A Rosa que foi de muitos Agora é Rosa de um só China de casa montada Na ruazinha arredada Onde macegas e ventos Bailam vestidos de pó
Vozes lhe batem à porta E a chamam de rapariga Rosa disfarça, não liga Cerra as cortinas e os olhos Se adentra dentro de si Custou-lhe chegar ali Na sala quatro por quatro No quarto quatro por três No dar-se sem entregar-se No quarto quatro por três A quem a toma e em troca Lhe paga as contas do mês
Não mais a gueixa sem marca Sempre pronta pra mais um Não mais mansa de arreio Mordendo o ferro do freio Sem refugar a nenhum
Não mais a noite indormida Vendendo carne e mentira Por notas de cem mil réis Não mais o batom cereja Rindo na boca cansada Mordida a cuspe e cereja No roxo dos cabarés Disso ficou-lhe a lembrança A cicatriz, a memória Os episódios da história Escrita a tinta de vinhos Na carne das meretrizes Nunca esquece de onde veio Quem chega e planta raízes
Semente ao vento plantou-se Quem fora terra de planta Para a semente dos machos Agora só um a tem Quando vem a quando a quer Só um se aninha em seus peitos Para exercer o direito De dono de uma mulher
Mas a noite é de recuerdos É de silêncios que gritam De arremessos e uivos De cães danados no seio E ele, seu dono, não veio
Não veio para tomá-la Ferí-la de pluma e garras Rasgar-lhe o ventre onde canta Todo um verão de cigarras E Rosa, transfigurada Por ventos de danação.
Volta a ser quem Rosa era Desnudo o corpo vestido Por lençóis de solidão
Mãos de fogo nos lunares Dos seios de clara carne Sob os macios do lençol Rosa, a de ontem, se assoma Nas chamas vivas que a tomam Toda de sal e de sol
Entre cambraias de gelo Rosa em brasa se levanta Na cama que a emoldura Como num quadro de santa Arde-lhe a carne madura Na noite propiciatória E Rosa goza-se impura Tomada pela memória
Rosa de pétalas rubras Rosa plena, dela só.
Compositores: Apparicio Silva Rillo (Silva Rillo), Luiz Carlos do Nascimento Borges (Luiz Carlos Borges) ECAD: Obra #5274846 Fonograma #1436336