Breu, meu eu, Deus meu Alguém chamou minha mãe e não pediu a mim Alguém de algum Deus, algum querubim Retirou-a de cena sem a minha permissão Alguém arrancou-me o umbigo sem falar comigo Algum, de alguma misteriosa verdade, puxou-lhe o fio da vida, A echarpe, a pipa, a idade. Alguém anjo a levou pra compor outro coral Alguém roubou de mim a sua voz e a sua música que era o meu melhor vento Adeus moqueca, adeus corvento, Alguém levou meu mundo, meu invento, minha bruxa boa, meu ungüento Eu tô ainda de vestido azul de bolinha, calcinha de babado, sentada na calçada, sozinha Minha mãe não está na cozinha, no piano, na aula, na vizinha Alguém badalou meia-noite e a Cinderela virou açoite, pernoite É breu, Deus... um buraco fundo, um vão sem chão, o infortúnio Eu quero ao menos que, ao morrer o criador, não se vá também a criatura. Está escuro, quero luz, dá-me a luz... Alguém desatarraxou daqui minha lâmpada maravilhosa Agora não posso mais ter febre; agora ninguém mais reza e não há compressa; agora eu estou com pressa.