"Saia da minha consciência e vá para o seu presbitério Lá estará certificado da sua importância imprescindível Entre tantas impossibilidades concretas que atacam e se manifestam em meu fim Como agora, em algum lugar deste quarto haverá de existir vida além da escuridão
A escuridão do silêncio absoluto dos mortos A escuridão das sombras emitidas pelas rosas negras copuladas sobre as cartilagens biodegradáveis dos microelementos da Terra
Nada pode curar o que destruímos e amaldiçoamos com as próprias mãos Assim como era no princípio sacrifica-me ausente inconformada pelo abandono endurecedor do seu cinéreo tabernáculo Roubando as minhas forças que ainda vegetam úmidas e trêmulas em materiais, veias impacientadas Como num paranoico e suave deleite obscuro obrigando-me a chorar feito um homem abatido pela despedida nos momentos em que mais necessito de mim mesmo
Dentro da minha cabeça mora uma cigarra pagã que não para de recitar ordens estranhas Sombra rastejante que foge do despertar vespertino de mais um novo dia Somos uma espécie de nada pretensiosamente derrotados Fonte ininterrupta de agonia e calafrios nebulosos que ocultam a nossa triste face excomungada
Carne da minha carne exalava da pele a fragrância mórbida dos lírios ameaçadores O cheiro não era de enxofre era um perfume agradável não tão doce mas hipnótico, grave
Em minha direção trazia em um embornal a cabeça de um vampiro e os braços de uma criatura de bom coração Não toque os meus pulsos arranhados pela muralha de ferro que habita a lâmina secreta da minha singularidade clandestina! Regularmente se sobrecarrega na dor dos lázaros com intranquilidade desesperadora das gerações ameaçadas pelas noites que passamos desprotegidos
Eu não sou eu Sou o sangue estancado em seu ventre perturbador A vaga sensação do que há de existir entre tantas e irrecuperáveis lembranças Atemorizadas em sua mais profunda e infecundada memória Sombra que vem e parte para dentro de mim O que nos resta, senão outro que vaga solitário pelas entranhas cadentes de nossa escrofulosa imperfeição?
Ainda temos uma chance de encontra-lo entre os logradouros e subterrâneos fugitivos de mais um nascer apaixonado da vida Já nasci por algumas poucas dezenas de vezes Mas hoje, pela primeira vez eu morro 23 de Novembro de 1976 Sombra, descanse em paz! "